Mesmo em baixas concentrações, substância usada para tingir produtos de vermelho deforma estrutura ocular de larvas de peixes, apontam testes em laboratório
Resultados com os peixes preocupam, principalmente em relação a efeitos no desenvolvimento embrionário, mas não é possível afirmar que os corantes causam o mesmo em humanos – Imagem: reprodução do artigo
Secas, inundações, ondas de calor, nevascas. Apesar da perplexidade diante das tragédias ambientais, a compreensão da estreita relação entre ação humana e a natureza parece distante. Mas, bem próximos das cidades, rios contaminados por resíduos de corantes podem afetar o desenvolvimento da estrutura ocular de peixes, como foi verificado em estudos com animais em laboratório. A culpa, segundo resultados de pesquisa recém-publicada, é de corantes vermelhos, compostos químicos utilizados em grande escala pela indústria têxtil.
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Esta é a primeira vez que se observa a cegueira por ação de corantes químicos e o alerta vem de grupo de pesquisa da USP em Ribeirão Preto, que avaliou efeitos de três corantes vermelhos – o Disperse Red 60 (DR 60), o DR 73 e o DR 78 – em larvas e embriões de zebrafish, espécie ornamental de peixe também conhecida como paulistinha, mantidos em laboratório. “No caso particular do DR 60 a possibilidade de afetar diretamente os olhos das larvas é de grande preocupação ambiental, mas também do ponto de vista da saúde humana”, afirma Bianca de Arruda Leite, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo, que realiza seu doutorado sob orientação da professora Danielle Palma de Oliveira, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP e com a colaboração do professor Carlos Gravato, da Universidade de Lisboa, Portugal.
Bianca de Arruda Leite – Foto: Arquivo pessoal
Após os testes de toxicidade aguda dos embriões do peixe, com exposição a três tipos de corantes vermelhos, os pesquisadores verificaram impactos de desenvolvimento e teratogenicidade (malformação congênita) nos organismos. Com o DR 60, as larvas tiveram problemas nas estruturas oculares, reduzindo a área e modificando a morfologia dos olhos, além de alterações no padrão natatório. “A dificuldade de distinguir claro de escuro, mesmo em baixas concentrações do corante, sugere que as larvas estavam cegas”, informa Bianca.
O DR 73 afetou o desenvolvimento geral das larvas, impedindo que a bexiga natatória inflasse, “o que prejudica a capacidade natatória do peixe e o controle da sua posição na coluna de água”, informa a professora Danielle. São alterações que mostram um efeito potencialmente neurotóxico “com consequências no sistema nervoso para além da deformação evidente dos peixes”, acrescenta.
Danielle Palma de Oliveira – Foto: Arquivo pessoal
Com o DR 78, observaram redução da velocidade natatória e aumento do estresse oxidativo das larvas, explicado pela mobilização das reservas energéticas para acionar o sistema de defesa na desintoxicação do organismo. Assim, a conclusão é de que o DR 60 e o DR 73 parecem ser os mais tóxicos dentre os testados, enquanto o DR 78 pode ser considerado menos tóxico já que, nas concentrações testadas, os efeitos verificados na natação parecem estar apenas relacionados à questão energética.
Apesar do grande número de corantes disponíveis e da grande quantidade de corantes lançados no meio ambiente, estudos sobre a toxicidade dessas substâncias ainda são escassos. Também não existe legislação que regulamente o uso e descarte desses compostos em efluentes. Esta lacuna, enfatiza o professor Carlos, é a principal razão para a ampliação do investimento científico “para melhor classificar cada um dos corantes e determinar as concentrações causadoras de efeitos nos organismos aquáticos”. Segundo Danielle, os esforços de seu grupo de pesquisa devem contribuir para que num futuro próximo esses corantes sejam regulamentados não só no Brasil, mas no mundo.
Carlos Gravato – Foto: Arquivo pessoal
O estudo, realizado nos laboratórios da professora Danielle na FCFRP, contou ainda com a participação de pesquisadores do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Detecção, Avaliação Toxicológica e Remoção de Micropoluentes e Substâncias Radioativas (INCT-Datrem) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Portugal.
Mais informações: e-mail dpalma@usp.br, com Danielle Palma de Oliveira
*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Fonte: Jornal da USP