O Brasil é sabidamente um dos países mais ricos em água no mundo, com poucas regiões em escassez hídrica permanente, e essa confiança pode gerar a falsa percepção de que o reuso de água não é necessário. O Portal Águas do Brasil listou alguns fatores pelos quais os avanços nesse tema podem não estar evoluindo conforme deveriam, sendo eles:
- Grandes entraves burocráticos;
- Falta de regulamentação (aspectos legais e norteadores);
- Receio em relação à receptividade da sociedade e desconhecimento da melhor forma de alcança-la com o tema;
- Falta de disposição para enfrentar novos desafios tecnológicos e de gestão estratégica;
- Falta de articulação técnico política para viabilização dos projetos;
- Falta de definição de responsabilidades,
- Corpo técnico com baixa qualificação no tema.
Dentro da perspectiva de que apenas 42% do Brasil possui coleta e tratamento de esgoto adequada, pensar em investimentos para infraestrutura do reuso de efluentes tratados parece irreal. No entanto, oferece uma alternativa às companhias de saneamento – privadas ou públicas – de oferecerem mais do que o pacote básico dos serviços de tratamento de esgoto, gerando inclusive uma nova oportunidade de novos negócios.
Indústrias podem se beneficiar do reuso interno de águas para abastecer sua demanda, assim como as próprias estações de tratamento de esgoto, geradoras de efluente desinfetado que pode ser utilizado para os mais diversos fins, como: lavagem de carros e usos com contato humano direto, lavagem de pisos, calçadas, irrigação de jardins, reuso nas descargas das bacias sanitárias, reuso em pomares, pastagens, e sistema de irrigação pontual; desde que cada água a ser reutilizada atenda os parâmetros solicitados pela NBR 13.969/97. O quadro abaixo resume os principais parâmetros desta norma.
Fonte: ABNT – NBR 13.969/97.
Zonas Rurais
Em zonas rurais, onde o sistema de esgotamento sanitário é majoritariamente descentralizado, a Embrapa sugere que as águas cinzas (provindas de pias de cozinha, chuveiro e máquina de lavar) sejam separadas das águas negras (provindas do vaso sanitário), para que tenham tipos de tratamento diferentes e possam ser reutilizadas, por exemplo, em irrigação de pomares, podendo gerar economia com insumos agrícolas para fertilização; e jardins filtrantes, podendo gerar renda com a cultura e venda de plantas ornamentais. Diversos estudos e acompanhamentos da Embrapa Instrumentação atestam essas utilizações como benéficas para o meio ambiente e para a população.
Fonte: HERNANDES, Pedro. Embrapa.
Não somente o efluente tratado pode ser reutilizado, como também as águas de chuvas. As chamadas “eco-casas” já são construídas para contemplar cisternas de captação de água de chuva para uso na limpeza geral, rega de jardins e até nos sanitários, mas esse ainda é um hábito incomum ao brasileiro. A NBR 15.527/07 dá as diretrizes para Água da Chuva – Aproveitamento de coberturas em áreas urbanas para fins não potáveis.
Fonte: Fórum da Construção.
Marco Legal do Saneamento Básico de 2020
O novo Marco Legal do Saneamento Básico de 2020 tem por objetivo universalizar e qualificar a prestação dos serviços no setor, sendo que a meta é alcançar a universalização até 2033, garantindo que 99% da população brasileira tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e a coleta de esgoto. Todos esses fatores devem desencadear mais ações sustentáveis no futuro, à exemplo das práticas de reaproveitamento hídrico.
Pela ótica do ESG (Environmental, Social, Governance), a circularidade da água envolve-se diretamente com um entendimento mais amplo sobre o uso desse recurso em diversos setores, os quais já explanados neste texto, ampliando o horizonte de avaliação nos negócios para além dos resultados financeiros. Nesse sentido, o conceito linear do uso da água, que envolve captação, uso e descarte, dá lugar ao conceito circular, promovendo a redução da captação e o uso mais eficiente do recurso hídrico, conforme representado na figura abaixo.
Fonte: Relatório ESG CEBDS.
Em consonância com a atualidade e a urgência da gestão hídrica eficiente, espera-se que esta seja uma temática cada dia mais em pauta das grandes e pequenas organizações do saneamento, das indústrias e também políticas, de forma a garantir que a água continue tendo qualidade e quantidade suficiente para esta e às futuras gerações.
Escrito por: Iuli Theisen Andersen da Silva Escalante
Engenheira Química especialista em Microbiologia de lodos ativados, mestranda em Engenharia Civil com linha de pesquisa em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, consultora em operação e gestão de estações de tratamento de esgoto e água. Entusiasta do aprendizado e do compartilhamento de conhecimento técnico-científico, atua na Companhia Águas de Joinville e é Diretora Técnica de Microbiologia no Instituto Técnico Água Segura.
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