Muitos romances e filmes futuristas exploraram como seria o mundo sem água. Mas a escassez de água não é um problema para o futuro distante: ela já está aqui.
Em seu relatório de 2021, a UN Water delineou a escala da crise: 2,3 bilhões de pessoas vivem em países com estresse hídrico e 733 milhões dessas pessoas estão em “países com alto e crítico estresse hídrico”.
Em 2018, na Cidade do Cabo (África do Sul), onde moro e conduzo minha pesquisa, os moradores se viram diante do “dia zero”, quando o abastecimento doméstico de água acabaria. As boas chuvas pouparam a cidade sul-africana, mas agora outras partes do país enfrentam previsões igualmente terríveis de torneiras vazias.
A escassez de água potável é uma realidade global, porém essa situação pode ser revertida. (borgogniels/Getty Images)
Este cenário está ameaçando todo o continente africano. Na região do Chifre da África, por exemplo, grandes áreas da Etiópia, Somália e Quênia passaram quatro estações chuvosas consecutivas sem chuvas regulares. O surgimento de “megacidades” na África, com milhões se mudando para áreas urbanas, coloca mais pressão sobre a infraestrutura já limitada.
E a crise se estende muito além do continente africano.
Não há uma solução para esta realidade sombria. Será necessária uma abordagem multifacetada, como ilustrou a experiência da Cidade do Cabo.
A tecnologia será uma parte fundamental para resolver a crise global de escassez de água. As soluções tecnológicas podem ir desde as mais básicas, como detectores de vazamento de água para residências, até as altamente sofisticadas, como maneiras de retirar a umidade do ar para produzir água potável ou converter a abundante água salgada do planeta em água doce.
Em um artigo recente, colegas e eu descrevemos outra tecnologia potencialmente poderosa: nanomateriais de carbono, que demonstraram remover poluentes orgânicos, inorgânicos e biológicos da água.
Contaminação ameaça fontes de água
A contaminação é um dos fatores que sobrecarregam as fontes de água. Todos os suprimentos de água contêm micróbios e patógenos. Mas o resíduo industrial é um grande problema: os veículos liberam poluentes de metais pesados, por exemplo, e a drenagem ácida de minas se infiltra nas fontes de água. Isso resulta em águas subterrâneas e superficiais contaminadas que não podem ser usadas com segurança para a maioria das atividades humanas, muito menos para beber ou lavar alimentos.
Algumas tecnologias atuais encarecem demais o tratamento da água. Outros simplesmente não estão à altura do trabalho e são incapazes de remover microorganismos. Na remoção de poluentes orgânicos como resíduos farmacêuticos, corantes orgânicos, plásticos e detergentes de efluentes, por exemplo, algumas técnicas convencionais, como a filtração por membrana, foram consideradas insuficientes.
É aí que entram os nanomateriais de carbono. Com outros pesquisadores, estou explorando seu uso e descobrindo que são mais eficientes e economicamente viáveis do que os materiais convencionais.
Nanomateriais
Nanomateriais são amplamente definidos como materiais que contêm partículas entre 1 e 100 nanômetros (nm) de tamanho. Um nanômetro equivale a um bilionésimo de um metro. Nanomateriais diferentes são compostos de átomos diferentes, alguns, como os que pesquiso, são compostos de átomos de carbono.
O carbono é, em massa, o segundo elemento mais abundante no corpo humano depois do oxigênio. É também um elemento comum de toda a vida conhecida. As nanotecnologias de carbono são ecologicamente corretas porque apresentam menos riscos de poluição secundária do que alguns adsorventes (substâncias sólidas usadas para remover contaminantes de líquidos ou gases).
Projetados na forma de nanomateriais, os nanomateriais de carbono estão sendo aclamados por muitos cientistas em todo o mundo por suas propriedades físicas e químicas superiores. Eles são cada vez mais valorizados por seu potencial de remover metais pesados da água, graças à sua grande área superficial e capacidade de adsorção, seu tamanho em nanoescala e suas propriedades químicas.
Todos os nanomateriais de carbono demonstraram ser eficazes no tratamento de efluentes.
Combater a escassez de água
Trabalho com nanomateriais magnéticos revestidos de carbono. Este composto misturado desempenha um papel crucial na descontaminação da água. Ao mesmo tempo, remove materiais como metais pesados. Isso o torna ideal para o tratamento de água, assim como sua fácil e rápida recuperação e reciclabilidade, graças ao que é conhecido como filtragem magnética. Nesse processo, os nanomateriais magnéticos adicionados à água contaminada são recuperados após tratamento por um forte ímã externo. Os materiais recuperados podem ser regenerados e reutilizados novamente.
Os nanomateriais à base de carbono ainda apresentam deficiências. Os nanomateriais tendem a se agrupar em partículas grandes, reduzindo sua capacidade de adsorver (atrair e reter) poluentes. E as nanopartículas nem sempre são totalmente recuperadas da água tratada, levando à contaminação secundária. Ainda não temos certeza de como separar os nanomateriais esgotados, totalmente utilizados, da água tratada.
O trabalho continua em nosso laboratório e outros em todo o mundo. Os cientistas não gostam de cronogramas, já que os avanços raramente acontecem dentro dos prazos estabelecidos. Mas nossa esperança é que mais avanços sejam feitos com nanomateriais baseados em carbono nos próximos anos, dando ao mundo uma ferramenta importante para combater a escassez de água.
Fonte: The Conversation
Autor: Salam Titinchi, Professor da Universidade do Cabo Ocidental – África do Sul
Adaptado por Digital Water