As estações municipais de tratamento de esgoto emitem quase o dobro da quantidade de metano na atmosfera do que os cientistas acreditavam anteriormente, de acordo com uma nova pesquisa da Universidade de Princeton (EUA). E como o metano aquece o planeta 80 vezes mais do que o dióxido de carbono em 20 anos, isso pode ser um grande problema.
Estudos independentes dos pesquisadores Cuihong Song e Daniel P. Moore, de Princeton (EUA), concordam que as emissões de metano dos efluentes municipais nos EUA estão, na verdade, quase o dobro do que calculado anteriormente. (Fotos de Bumper DeJesus)
“O setor de resíduos é uma das maiores fontes antropogênicas de metano do mundo”, disse Mark Zondlo, professor de engenharia civil e ambiental e docente associado do Andlinger Center for Energy and the Environment. “À medida que as cidades continuam a se urbanizar e desenvolver planos líquidos zero, elas não podem ignorar o setor de tratamento de efluentes.”
Zondlo liderou um dos dois novos estudos sobre o assunto, ambos relatados em artigos publicados na revista Environmental Science & Technology. Um estudo realizou medições de emissões de metano no solo em 63 estações de tratamento de esgoto nos Estados Unidos, o outro usou métodos de aprendizado de máquina para analisar dados da literatura, publicados de estudos de monitoramento de metano em vários processos de coleta e tratamento de efluentes em todo o mundo.
“Poucas pessoas estudaram as emissões de metano associadas à infraestrutura de efluentes, embora saibamos que é um ponto crítico para a produção de metano”, disse Z. Jason Ren, que liderou o segundo estudo. Ren é Professor de Engenharia Civil e Ambiental na Universidade de Princeton e Diretor Associado do Andlinger Center for Energy and the Environment.
Mark Zondlo e Z. Jason Ren (Foto Princeton University)
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), estabeleceu diretrizes que permitem aos pesquisadores e instituições como a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) estimem as emissões de metano de estações de tratamento de efluentes com base em seus processos específicos de tratamento. No entanto, essas diretrizes foram desenvolvidas a partir de medições limitadas em um número relativamente pequeno de estações de tratamento de efluentes.
E quando os pesquisadores usaram o Princeton Atmospheric Chemistry Experiment (PACE) Mobile Laboratory, para quantificar as emissões de toda a estação, medindo as plumas de 63 estações de tratamento na costa leste e na Califórnia, descobriram que as diretrizes do IPCC subestimavam consistentemente as estações de tratamento de todos os tamanhos e processos de tratamento.
Se os resultados dessas 63 estações forem representativos, as emissões reais de metano das instalações de tratamento de efluentes nos EUA seriam cerca de 1,9 vezes maiores do que as estimativas de emissões que usam as diretrizes existentes do IPCC e da EPA, o que significa que essas diretrizes subestimam as emissões de metano equivalentes a 5,3 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono.
Curiosamente, a equipe de pesquisa que realizou o segundo estudo independente para analisar os dados da literatura sobre as emissões de metano chegou a uma conclusão semelhante: as emissões estimadas de metano do tratamento de esgotos municipais nos EUA eram cerca do dobro do que as diretrizes existentes previam.
“Conseguimos mostrar, usando duas abordagens diferentes, que as emissões de metano são um problema muito maior para o setor de efluentes do que se acreditava anteriormente”, disse Ren.
Os suspeitos habituais de emissões de metano nos efluentes
Os pesquisadores acreditam que, como as diretrizes do IPCC foram desenvolvidas a partir de medições limitadas em um pequeno número de estações de tratamento de efluentes, elas podem não representar com precisão a variação nas emissões que existe entre as instalações.
“As diretrizes assumem um certo nível de eficiência nesses sistemas de tratamento de efluentes que podem não existir de estação para estação”, disse Daniel Moore, primeiro autor do estudo de medição direta e aluno de pós-graduação em engenharia civil e ambiental. Ele apontou para vazamentos e equipamentos ineficientes que podem passar despercebidos nas estações de tratamento, mas que podem levar a emissões significativas de gases de efeito estufa.
Cuihong Song, primeira autora da revisão crítica e pesquisadora de pós-doutorado em engenharia civil e ambiental em Princeton, disse que as estações de tratamento equipadas com digestores anaeróbicos, estavam entre os maiores vazamentos de metano.
Os digestores anaeróbicos são compartimentos herméticos contendo micróbios anaeróbicos, que trabalham sem oxigênio para decompor o lodo de efluentes ou resíduos sólidos e produzir biogás rico em metano no processo. Esse metano pode ser usado para gerar calor ou eletricidade para alimentar outros aspectos do processo de tratamento.
Mas quando os digestores anaeróbicos operam de forma ineficiente, vazamentos e acúmulos de pressão podem permitir que o metano escape. “Se o digestor não for hermético, você pode acabar com altas emissões de metano”, disse Song. Os pesquisadores descobriram que estações com digestores anaeróbicos, emitiam mais de três vezes metano do que estações sem digestores.
Emissões mais altas de digestores anaeróbicos, podem ser um problema sério: enquanto as estações de tratamento de efluentes equipadas com digestores anaeróbicos representam menos de 10% de todas as estações de tratamento nos EUA, a maioria dessas estações são grandes instalações que, juntas tratam cerca de 55% dos efluentes no país.
“Muito dinheiro está sendo investido na redução das emissões com a implementação desses digestores, porque, em teoria são sistemas fechados. Quando eles estão funcionando corretamente, você pode centralizar o metano em um único local”, acrescentou Moore. “São as ineficiências e vazamentos que causam muitos dos problemas.”
Juntamente com os digestores anaeróbicos, a revisão crítica descobriu que as emissões de metano dos sistemas de esgoto contribuem significativamente para as emissões de metano em todo o país. No entanto, as diretrizes atuais em grande parte não levam em conta as emissões fugitivas de metano dos esgotos, que os pesquisadores disseram ser importante contabilizar em futuros inventários de gases de efeito estufa.
“Temos mais de um milhão de quilômetros de esgotos nos EUA, cheios de matéria orgânica rica, que pode estar causando emissões de metano, mas temos muito pouco conhecimento de seu escopo”, disse Ren.
Melhor monitoramento e orientações
Os pesquisadores estão trabalhando com parceiros para construir um inventário e uma metodologia, que permitiriam aos gerentes monitorar facilmente suas emissões de metano. Ao identificar as fontes no processo de tratamento de efluentes que liberam a maior parte das emissões de metano, seu trabalho também pode informar os esforços para mitigar as emissões fugitivas.
“O metano tem um tempo de vida curto na atmosfera, por isso, se conseguirmos cortar o fluxo de emissões em todo o país, a contribuição do metano para o aquecimento diminuirá rapidamente”, disse Moore. “Daqui a dez anos, não precisaríamos nos preocupar tanto com o metano.”
Sensores de gás ficam em cima do automóvel. Esta plataforma móvel, desenvolvida pela equipe de Zondlo, mede vários gases importantes.(Imagem: Princeton University)
Ren acrescentou, que o metano produzido a partir de processos como a digestão anaeróbica também serve como uma valiosa fonte de energia. “Ao identificar e mitigar as emissões fugitivas de metano, veríamos benefícios duplos”, disse ele. “Reduziríamos as emissões de gases de efeito estufa no curto prazo e maximizaríamos a quantidade de metano que podemos recuperar do processo de tratamento de efluentes.”
Ainda assim, é necessário mais trabalho para monitorar as emissões de metano em várias escalas de tempo das estações de tratamento e redes de esgoto de diferentes tamanhos e processos de tratamento.
Por exemplo, poucos estudos realizaram monitoramento contínuo e de longo prazo das emissões de metano das estações, embora a taxa de emissão possa variar diariamente ou mesmo sazonalmente, sendo geralmente maior na primavera e no verão do que no inverno. “Em última análise, precisamos ter uma contabilidade completa das emissões das estações em vários períodos”, disse Zondlo. Ele acrescentou que as análises preliminares de medições subsequentes de estações adicionais em várias épocas do ano, destacaram a importância de entender a variação sazonal das emissões.
Ao mesmo tempo, os pesquisadores precisarão desenvolver melhores métodos de amostragem para entender as emissões de áreas de difícil acesso, como esgotos, uma vez que a natureza difusa das redes de esgoto, juntamente com seus altos níveis de umidade, dificulta a captura de uma imagem precisa das emissões com metodologias existentes.
Superando esses obstáculos e continuando seus esforços de monitoramento, os pesquisadores poderiam contribuir com um esforço mais amplo para construir diretrizes atualizadas que estimassem melhor as emissões de metano do setor de efluentes.
“Muitas agências estão reconhecendo que é importante estudar as emissões de metano do setor de efluentes”, disse Ren. “Esta pesquisa não está apenas relatando nossas próprias descobertas. Estamos ecoando o que a comunidade científica observou e identificou como uma lacuna significativa de conhecimento”.
O artigo, “Underestimation of sector-wide methane emissions from United States wastewater treatment ”, com Daniel Moore e Mark Zondlo, foi publicado na Environmental Science & Technology em 27 de fevereiro. Além de Moore e Zondlo, os autores incluem Nathan Li, Lars Wendt, Mark Falinski, Jun-Jie Zhu, Cuihong Song e Z. Jason Ren de Princeton; bem como Sierra Castañeda, ex-aluna de Princeton que atualmente é estudante de doutorado da Universidade de Stanford.
O artigo “Methane Emissions from Municipal Wastewater Collection and Treatment Systems”, com Cuihong Song e Z. Jason Ren, foi publicado na Environmental Science & Technology em 3 de fevereiro. Além de Song e Ren, os autores incluem Jun-Jie Zhu, Daniel Moore e Mark Zondlo de Princeton, assim como John Willis de Brown e Caldwell.
O apoio aos projetos de pesquisa foi fornecido pelo Energy and Environment Program, da Alfred P. Sloan Foundation (premiado juntamente com a líder do projeto, Francesca Hopkins, da Universidade da Califórnia, Riverside), o High Meadow Environmental Institute por meio do Clear Water Challenge e o Water Research Foundation através do Paul L. Award.
Autor: Colton Poore, Andlinger Center for Energy and the Environment
Fonte: Princeton University
Adaptado por Digital Water