Mudanças climáticas podem tornar alguns tipos de fungo mais resistentes e letais

Segundo João Nóbrega de Almeida Júnior, está havendo uma substituição dos fungos que crescem em temperaturas menores para aqueles que crescem em temperaturas maiores e esses fungos são potencialmente patogênicos

Segundo João Nóbrega de Almeida Júnior, está havendo uma substituição dos fungos que crescem em temperaturas menores para aqueles que crescem em temperaturas maiores e esses fungos são potencialmente patogênicos

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Cryptococcus – Foto: CDC/Dr. Leanor Haley – Dominio público/ via Wikimedia Commons

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Espalhamento pelo planeta 

Normalmente, os seres humanos têm uma vida livre de infecção fúngica. “A maioria dos fungos no ambiente cresce a temperaturas abaixo de 30 graus, a gente tem uma barreira contra esses fungos que, a priori, estão em grande quantidade no planeta, que são os fungos que só crescem em temperaturas abaixo de 35 graus”, explica João Nóbrega de Almeida Júnior, médico infectologista, doutor e pós-doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP.

O aumento da temperatura global, entretanto, tem mudado a relação desses fungos com o corpo humano. “Está havendo uma substituição desses fungos que crescem em temperaturas menores para aqueles que crescem em temperaturas maiores e esses fungos são potencialmente patogênicos”.

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João Nóbrega de Almeida Júnior – Foto: Arquivo Pessoal

Segundo o especialista, o artigo da Duke tem um caráter ainda experimental, mas contribui com hipóteses que chamam a atenção para o problema. “O artigo da Duke falou do Cryptococcus, e é interessante que ele fala que o aumento da temperatura vai favorecer mutações no genoma do Cryptococcus, de maneira que ele pode se tornar mais resistente e mais virulento, mais resistente aos antifúngicos ou tratamentos, com uma capacidade maior de infectar as pessoas”, diz o especialista. 

Mudanças genéticas

O estudo mostra que, em temperaturas mais elevadas, há elementos genéticos transponíveis, os transposons, que se deslocam pelo fungo e alteram sua expressão genética. “Eles [transposons] vão se deslocando no genoma do fungo e se inserindo em importantes regiões e genes que, se houver mutação, vão causar resistência aos tratamentos, em genes que vão ser silenciados ou ser hiper expressos, depende de onde esses transposons vão se alocar”, explica Nóbrega.  

Além dos genes, proteínas importantes contribuem para a ocorrência de mutações. “Existem proteínas, por exemplo, que a gente chama de heat-shock proteins, que vão ser expressas com aumento de temperatura e vão mudar a transcrição de proteínas e fatores de virulências dos fungos”.

Assim como alguns fungos podem se alterar geneticamente e se tornarem mais resistentes, outros podem não sobreviver a tais mudanças. Segundo Nóbrega, o aumento da resistência não é um fenômeno esperado para a maioria das populações fúngicas. “Não é que 100% dos fungos do ambiente vão sofrer mutações severas e vão se transformar em super bichos. Uns vão perder até o que a gente chama de fitness, vão ficar menos adaptados e vão morrer, as mutações vão ser deletérias e vão matar o microrganismo. Um percentual menor deles vai ter essa propriedade, vai ter uma adaptação melhor e vai causar problemas”.

Entender o comportamento dos fungos

A resistência de fungos patogênicos a antifúngicos é uma das preocupações que incidem no dia a dia de especialistas e pesquisadores da área. O Candida auris, um dos fungos de prioridade crítica na lista da OMS, tem afetado diferentes regiões do Brasil. “Teve um caso em Campinas, mas que foi controlado, e atualmente a gente tem surto em Recife, que a gente está também lutando para controlar. Graças à atuação multidisciplinar com as autoridades, com os pesquisadores locais, o Ministério da Saúde e com a agência de vigilância sanitária, a gente está conseguindo controlar esse surto”.

Para continuar o enfrentamento de infecções fúngicas cada vez mais frequentes, é necessário aumentar o volume de pesquisas na área, de forma a monitorar a ocorrência desses casos e trabalhar no desenvolvimento de novos medicamentos. De acordo com Nóbrega, já existem novos antifúngicos em pesquisa, que devem estar disponíveis em cinco ou 10 anos. “A gente precisa de investimento nos laboratórios do País para que eles identifiquem bem os fungos e consigam reconhecer quando tem uma Candida auris no seu hospital. Um segundo desafio é que os laboratórios também passem a analisar os antifúngicos, qual é a ação dos antifúngicos contra o fungo que está causando infecção no nosso paciente”.

O ambiente hospitalar, suscetível ao espalhamento de fungos, não é o único que deve ser monitorado. A natureza, constantemente explorada pelo homem, também é local de incidência de infecções fúngicas. Nóbrega lembra que na agricultura há o uso constante de antifúngicos para matar pragas. “A gente imagina que no ambiente tenha bastante fungo resistente também”. 

*Estagiária sob supervisão de Paulo Capuzzo

 

Fonte: Jornal da USP/ Rádio USP

 

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