A boa notícia é que até o momento não foram encontrados valores alarmantes ou que pudessem gerar algum tipo de preocupação.
Desde 2011, uma equipe multidisciplinar de técnicos da diretoria de Engenharia e Qualidade Ambiental da CETESB monitoram uma gama de micropoluentes denominados Contaminantes Emergentes, frequentemente encontrados em águas subterrâneas, águas superficiais, águas residuárias e até mesmo na água potável.
“Os contaminantes emergentes são compostos químicos sintéticos ou naturais, como produtos farmacêuticos, agrotóxicos, produtos químicos, surfactantes e produtos de cuidados pessoais, que atingem o solo e as águas após os usuários descartarem, por exemplo, medicamentos vencidos no lixo comum, ou no vaso sanitário, atingindo, consequentemente, a rede coletora de esgoto”, explica o gerente do setor de Análises Toxicológicas, Gilson Alves Quináglia, doutor em química pela USP.
Segundo ele, esses poluentes não são comumente monitorados no meio ambiente, mas são suspeitos de causarem efeitos adversos aos peixes, anfíbios e à saúde humana. “Alguns são Interferentes Endócrinos (IEs), ou seja, podem interferir no sistema hormonal dos animais e dos humanos. Na vida selvagem, podem desencadear uma série de efeitos adversos como feminilização de peixes o que, a longo prazo, pode causar redução na população de algumas espécies mais expostas, problemas no desenvolvimento, suscetibilidade à infecções e doenças em vertebrados, entre outras consequências”, alerta.
Por serem relativamente novos, os contaminantes emergentes, na sua maioria, ainda não são contemplados nas legislações, por esse motivo a CETESB adota valores orientadores internacionais, que auxiliam na interpretação dos dados. “Eles geralmente estão presentes em níveis de concentração abaixo de 1 µg/L (1ppt), por isso também são chamados de micropoluentes.”
Atualmente, a Agência Ambiental paulista segue os valores orientadores derivados e propostos por pesquisadores holandeses, que é de 3,8 ng equivalente a 17β-estradiol/L (EEQ) em água de consumo humano para atividade estrogênica e de 21 ng dexametasona (DEX)-eq/L para atividade de glicocorticóides. Somente entre 2021 e 2022 a CETESB realizou análises em 582 amostras, com investimento de R$ 696 mil.
Quináglia afirma que a ameaça reside no fato de a maioria desses compostos ainda não terem sido estudados. “É quase impossível analisar todos eles por métodos químicos (cromatográficos e espectrométricos) na água”, diz.
Para gerir esses desafios analíticos, o setor de Análises Toxicológicas vem adotando o uso de ferramentas bioanalíticas que podem avaliar o efeito de toda a mistura que é, sem dúvida, complexa. “As ferramentas bioanalíticas são de baixa complexidade, analisam misturas de compostos conhecidos e desconhecidos presentes na água, esses bioensaios medem a toxicidade da mistura”, explica.
Ele afirma que atualmente, os cientistas têm mais perguntas que respostas sobre os contaminantes emergentes. “Um fato relevante é que o avanço da instrumentação analítica tem permitido detectar e quantificar ainda mais esses compostos. Por isso, o número de publicações científicas tem aumentado na última década.”
A boa notícia é que até o momento não foram encontrados valores alarmantes ou que pudessem gerar algum tipo de preocupação. “Por isso o monitoramento é imprescindível”, ressalta o técnico.
E para ampliar o alcance do monitoramento, a mestre em toxicologia e análises toxicológicas pela USP, e especialista do setor de Análises Toxicológicas da CETESB, Daniela Dayrell França, participou nesse mês de um treinamento chamado BDS – BioDetection Systems, em um laboratório instalado em Amsterdã, na Holanda. “O nosso plano é implementar essa ferramenta bioanalítica em 2023, para a detecção de compostos polifluorados (PFAs) nas águas”, conta o gerente.
Gilson Quinaglia e Daniela D. Franca
Informações relevantes
O monitoramento da presença da atividade estrogênica nas águas subterrâneas vem mostrando que os aquíferos do estado de São Paulo ainda não apresentam grande vulnerabilidade para esse parâmetro, sendo que 99% das amostras analisadas não apresentam atividade estrogênica detectável pelo ensaio BLYES (abaixo de 0,1 EEQ, que é o limite de quantificação do ensaio).
O cenário das águas superficiais é bastante diverso. Mesmo nos locais em que as amostras são positivas, apresentando alguma atividade estrogênica, não há valores alarmantes que possam comprometer a biota.
Em 2018, a CETESB passou a investigar a atividade glicocorticoide com o objetivo de obter dados sobre a ocorrência dessa classe de fármacos anti-inflamatórios. Os dados preliminares indicam que embora haja atividade detectável, há menos presença de glicocorticoides que de estrógenos.
Tratamento
A literatura científica demonstra que os sistemas de tratamento convencionais de águas residuárias não são eficientes para a remoção da maioria dos contaminantes emergentes, embora já se saiba que a cloração remove alguns hormônios femininos da água em mais de 90%. De modo geral, esses contaminantes requerem tratamento terciário como ultrafiltração, irradiação ultravioleta, ozonização, processos avançados de oxidação, carvão ativado, entre outros.
Time
“Não fazemos nada sozinhos, conto com a contribuição de inúmeras pessoas envolvidas nesse estudo, entre elas: ELTA (Daniela Dayrell França, Wálace A. A. Soares, Genival de Oliveira, Carlos Alberto Coimbrão); ELT (Deborah Arnsdorff Roubicek); ELH (Marta Conde Lamparelli); EL (Maria Inês Zanoli Sato), EQA (Fábio Netto Moreno); EQAI (Beatriz Durazzo Ruiz), EQAA (Rosângela Paccini Modesto e Fabiano Fernandes Toffoli), ELC (Renan Lourenço Oliveira Silva e sua equipe), entre tantos outros técnicos da CETESB”, ressalta o gerente,
Histórico
O pontapé inicial para esse trabalho começou em 2008, quando Quináglia visitou o professor da Universidade de Brunel, em Londres, Philip Sumpter. “Ele é um ecotoxicologista que estuda o papel dos interferentes endócrinos em peixes, ou seja, compostos orgânicos hormonalmente ativos que podem causar distúrbios no sistema endócrino de seres vivos”, conta Quináglia.
Segundo ele, o pesquisador desenvolveu o método YES – Yeast Estrogen Screen, para detectar tais substâncias. “Na mesma época, a CETESB iniciou parceria técnico-científica com a Unicamp, nesse mesmo segmento, sob a coordenação da Doutora Gisela Umbuzeiro (CETESB) e do professor Wilson Jardim (UNICAMP)”, relembra o gerente.
Com o êxito dessa parceria, a CETESB implantou, em 2011, por meio do Setor de Análises Toxicológicas, o método para detecção da atividade estrogênica denominado BLYES – Bioluminescent Yeast Estrogen Screen, ou, ensaio com levedura bioluminescente para detecção de estrogênios, com colaboração da pesquisadora Melanie Eldridge, da Universidade do Tennessee (EUA).
2011 – até o momento: a CETESB monitora as águas subterrâneas quanto aos estrogênios femininos por meio de ensaio denominado ‘ATIVIDADE ESTROGÊNICA’.
2013 – até o momento: a CETESB monitora as águas superficiais quanto aos estrogênios femininos por meio de ensaio denominado ‘ATIVIDADE ESTROGÊNICA’.
2018 – até o momento: a CETESB monitora as águas superficiais e as águas subterrâneas quanto aos medicamentos do tipo anti-inflamatórios (glicocorticoides). Esses anti-inflamatórios são considerados interferentes endócrinos.
A partir de 2023, a CETESB implementará o método para a detecção de compostos polifluorados (PFAs) nas águas, passando a monitorar as águas do Estado de São Paulo quanto aos PFAS presentes em 4.700 produtos químicos industriais e que, certamente, será relevante para futuras tomadas de decisões na gestão dos recursos hídricos.
Segundo Quináglia, as novas ações serão um marco significativo para o Sistema Ambiental Paulista, no que se refere aos contaminantes emergentes desta natureza.
Marcos globais
1) 1962: A bióloga americana, Rachel Carson publica o livro ‘Primavera Silenciosa’ mostrando ao mundo que o uso generalizado do agrotóxico DDT utilizado para eliminar mosquitos e outras pragas levou à morte e ao desaparecimento de muitas aves. Nos anos 1960, o DDT poderia ser considerado um contaminante emergente. Apesar de inúmeras críticas à época, o livro mostra que a ciência triunfou, pois uma década depois o DDT foi banido em muitos países.
2) 1996: O lançamento do livro ‘O nosso futuro roubado: Estamos Ameaçando Nossa Fertilidade, Inteligência e Sobrevivência?’, de Theo Colborn e colaboradores, alerta o mundo sobre os efeitos das substâncias químicas sintéticas no sistema hormonal e imunológico dos humanos, tais como infertilidade, câncer de mama e de próstata, problemas de desenvolvimento e de reprodução de animais da vida selvagem.
3) 2002: A Organização Mundial de Saúde (OMS) assume um papel fundamental com a publicação do relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, denominado UNEP – State of the Science of Endocrine Disrupting Chemicals 2002, no qual mostra que a presença de contaminantes emergentes da classe dos hormônios estrógenos tinha relação quanto aos efeitos adversos à vida selvagem, como a feminilização de peixes, com evidências insuficientes para a saúde humana.
4) 2012: Um novo relatório da UNEP – State of the Science of Endocrine Disrupting Chemicals revela que já havia evidências científicas indicando que os interferentes endócrinos causavam efeitos adversos na vida selvagem e aos seres humanos.
Transparência
Todos os dados de monitoramento dos contaminantes emergentes (estrogênios, anti-inflamatórios e futuramente PFAS) estão disponíveis no portal da CETESB para toda a população: https://cetesb.sp.gov.br/publicacoes-relatorios/
O programa de monitoramento das águas do estado de São Paulo adotado na CETESB quanto à atividade estrogênica destina-se a ser investigativo e não para fins de conformidade regulatória, com um limite específico, como um nível máximo de contaminante, ou um nível de qualidade da água.
“A inovação do trabalho da CETESB nessa área dará, futuramente, subsídios para a tomada de decisão com vistas à derivação e adoção de valores orientadores nacionais para os contaminantes emergentes”, conclui Quináglia.
Texto: Cris Olivette
Fotos: José Jorge Neto
Fonte: CETESB