A falta de fiscalização de alguns países na compra de produtos de segunda mão alia-se ao despejo ilegal, nos menos desenvolvidos, de diversas toneladas de lixo, sob a justificativa de reciclagem
Caminhão de lixo em um lixão do Distrito Federal, no Brasil – Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Países como Gana, na África Ocidental, e Chile, na América do Sul, apesar das suas diferenças, tem algo em comum: se tornaram lixões graças às deficiências da gestão de resíduos sólidos dos países desenvolvidos. Todos os anos são produzidas cerca de dois bilhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos no mundo, segundo relatório do Banco Mundial. Apesar disso, países menos desenvolvidos recebem ilegalmente diversas toneladas de lixo todos os anos sob a justificativa da reciclagem.
Gana é o mais importante “cemitério de eletrônicos” do mundo. Calcula-se que cerca de 215 mil toneladas de aparelhos eletrônicos seminovos vindos dos Estados Unidos e dos países da Europa são exportadas ilegalmente para reciclagem em Gana a cada ano. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fala de 50 mil toneladas por ano.
Outro exemplo são as Filipinas. Entre 2013 e 2014, o país asiático recebeu cerca de 69 contêineres com mais de 1.500 toneladas de resíduos tóxicos ou não recicláveis do Canadá. O Chile, por sua vez, é destino de 59 mil toneladas anuais de roupas de segunda mão para serem revendidas e, desse volume, cerca de 40 mil toneladas que não são revendidas são descartadas no Deserto do Atacama, formando montanhas de lixo a céu aberto na paisagem chilena.
A professora da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto (FEA-RP) da USP, Sonia Valle Walter Borges de Oliveira, especialista em gestão de resíduos, diz que parte do problema começa com a falta de fiscalização de alguns países na compra de produtos de segunda mão. “Muitos países do Terceiro Mundo têm carência de produtos em geral e acabam aceitando receber produtos usados ou de segunda linha de países ricos”. Segundo a professora, na compra de produtos de segunda mão, os países considerados menos desenvolvidos não demonstram uma fiscalização eficiente, por conta disso grande parte dos produtos acaba sendo descartada inadequadamente.
Professora da FEA-RP Sonia Valle Walter Borges de Oliveira. Foto: Arquivo Pessoal
Para o professor e cientista social Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, em São Paulo, uma possível alternativa para o descarte é o fortalecimento da economia circular e aplicação da logística reversa. “A economia circular representa justamente a possibilidade de um reaproveitamento de muito desse material, quando nós estamos falando de tecidos, obviamente que existem alternativas para se aproveitar desse descarte de tecido. Com relação ao plástico, estamos sempre lidando com a questão da logística reversa”.
Professor Pedro Roberto Jacobi, do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP. Foto: Arquivo Pessoal.
Logística reversa
A logística reversa indica como fazer o descarte de produtos específicos de forma a estabelecer uma responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida desses produtos. Os cidadãos, que são consumidores, seriam responsáveis pelo descarte adequado de resíduos como pilhas e baterias, pneus, medicamentos, alumínio, entre outros. Enquanto isso, o setor privado seria responsável por reincorporar os resíduos na cadeia produtiva e o Poder Público é responsável por fiscalizar o processo e, de forma compartilhada com os demais responsáveis pelo sistema, conscientizar e educar o cidadão.
Segundo Sonia, todas essas ações são um conjunto de estratégias que devem acontecer ao mesmo tempo. “Muita conscientização da população, educação ambiental, uma legislação muito mais rigorosa, fiscalização permanente, etc., sem todos esses elementos, e ao mesmo tempo, a gente não consegue avançar.”
A especialista em gestão de resíduos também explica que a falta de atenção e cuidado para com o descarte do lixo pode causar diversos efeitos, que afetam o país receptor em diversas frentes, uma das principais é o impacto ambiental. “Se você reduz a flora, se você reduz a vegetação do local, há a intensificação da desertificação e isso vai gerar provavelmente efeitos climáticos de secas prolongadas e com certeza modificando bastante o clima da região. Lembrando que o clima desértico geralmente é de calor intenso durante o dia e temperaturas bem mais baixas durante a noite, então complica tudo e isso vai afetar, com certeza, a fauna também”.
Fonte: Jornal da USP