Manguezal de Cananeia (SP) com guarás na maré baixa – Foto: Herton Escobar /USP imagens
Pôster com dados e ilustrações dos manguezais no Brasil, produzido especialmente para esta reportagem. Para baixar uma versão em alta resolução, clique aqui.
Entre os vários serviços ambientais gratuitos que eles prestam à espécie humana, um que vem ganhando destaque nos últimos anos é a sua impressionante capacidade de estocar “carbono azul” — um termo colorido usado para se referir ao carbono de ecossistemas marinhos e costeiros, em contraste com o “carbono verde” associado às florestas e outros ecossistemas terrestres. Estimativas indicam que um hectare de manguezal no Brasil pode armazenar entre duas e quatro vezes mais carbono do que um mesmo hectare de outro bioma qualquer — incluindo a floresta amazônica —, segundo um estudo publicado no início de 2022 na revista Frontiers in Forests and Global Change.
A maior parte desse carbono fica estocada no solo lamoso do manguezal, onde a ausência de oxigênio retarda, ou até impede completamente, a decomposição da matéria orgânica que está soterrada ali. O resultado é um reservatório natural de longo prazo que pode ser encarado tanto como um tesouro enterrado quanto uma bomba-relógio prestes a ser detonada, dependendo do que acontecer com esses ecossistemas daqui para frente. Se os manguezais forem protegidos e esse carbono permanecer no solo, ótimo! Se eles forem destruídos e esse carbono for parar na atmosfera, será como borrifar gasolina no fogo do aquecimento global.
“É um reservatório que precisa ser deixado quieto”, resume o ecólogo brasileiro André Rovai, autor do estudo na Frontiers in Forests and Global Change e pesquisador assistente na Universidade do Estado da Louisiana, nos Estados Unidos. Não só por conta do que já está estocado nele, mas por todo o carbono que ainda pode ser depositado ali. Além de ótimos guardadores, os manguezais também são excelentes sorvedouros de carbono, tanto por meio do crescimento de suas florestas, que retiram gás carbônico da atmosfera, quanto pelo acúmulo da matéria orgânica que desce pelos rios e fica depositada na sua lama, como se ela fosse um filtro.
“O manguezal é um meio do caminho entre a terra e o mar”, descreve Rovai. “Ele produz sua própria biomassa e ainda armazena parte do carbono que flui de dentro do continente.” Estimativas globais, segundo ele, sugerem que os manguezais podem sequestrar quase 1 bilhão de toneladas de carbono por ano, o equivalente a 10% de todo o carbono emitido anualmente no mundo pela espécie humana (10 bilhões de toneladas).
“Os manguezais são um grande hotspot de carbono”, reforça o professor Roberto Barcellos, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que nos últimos anos passou a se dedicar intensamente à pesquisa do carbono azul. “Não existe ecossistema que acumule tanto carbono quanto eles.”
Solo lamoso de um manguezal em Cananeia (SP) com propágulos e pneumatóforos (raízes aéreas ) de mangue preto em destaque – Foto: Herton Escobar / USP imagens
A quantidade de carbono por hectare pode variar bastante de um lugar para outro, dependendo das particularidades ambientais de cada localidade. Afinal de contas, “cada mangue é um mangue; não existem dois manguezais iguais”, costuma dizer a professora Yara. Há muitas variáveis que ainda precisam ser melhor estudadas para encaixar os manguezais com maior precisão científica nos inventários nacionais e na arquitetura global dos fluxos de carbono, incluindo suas emissões naturais de dióxido de carbono, metano e outros gases naturais do efeito estufa.
Mas uma coisa que já fica claríssima nos dados, segundo os especialistas, é que os manguezais são uma peça importante no quebra-cabeça das mudanças climáticas globais. Uma peça que precisa ser não apenas protegida, como multiplicada. “Preservar os manguezais é essencial, mas não só isso”, destaca Barcellos. “É preciso restaurar o que já foi perdido e criar novas áreas de manguezal onde for possível.”
Fonte: Jornal da USP