A Coppe/UFRJ inaugurou no dia 23 de maio, a Ilha de Policogeração Sustentável (IPS). O protótipo tem capacidade para cogerar água e eletricidade, a partir de uma fonte de calor, e será capaz de atender a demanda de regiões remotas ou comunidades isoladas. O sistema conjuga o uso de energia solar com a recuperação de calor, em geral descartado, por meio de micro-trocadores de calor e dessalinizador de água via destilação por membranas.
O sistema foi desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Nano e Microfluidica e Microssistemas (LabMEMS) da Coppe/RJ, sob a coordenação da professora Carolina Naveira-Cotta. De acordo com a professora, o sistema pode ser um importante aliado de prefeituras e comunidades remotas do Semiárido Nordestino que não estão conectadas ao Sistema Interligado Nacional, “fazendas” de produção de energia solar, campos de óleo e gás nearshore, ilhas e regiões inóspitas, áreas em conflito ou de desastres ambientais.
Professora Carolina Naveira-Cotta, do Programa de Engenharia Mecânica da Coppe/UFRJ – Foto: Fábio Caffé (SGCOM)
O demonstrador tecnológico possui 450 células de silício e uma lente de fresnel para cada uma, concentrando 820 vezes a energia solar. Além do painel de alta concentração, o protótipo conta com três coletores solares, que podem trabalhar em série ou em paralelo com o painel para aquecimento de água. “O protótipo foi concebido com o conceito de modularidade, a partir do qual é possível se adequar a várias demandas. A ilha é flexível, podendo ser modificada para uso em outros locais e adaptada para cogeração de outros insumos, dependendo do objetivo e uso”, destacou Carolina Cotta, complementando que o projeto possui custo previsto entre 500 mil reais e 1 milhão, segundo os módulos de produção.
O processo térmico de destilação por membranas, pode usar calor de qualquer fonte térmica
A Ilha de Policogeração Sustentável (IPS) é capaz de gerar cinco quilowatts de energia elétrica e oito quilowatts de energia térmica recuperáveis. Comumente o calor gerado na conversão da energia solar para energia elétrica é desperdiçado pelo arrefecimento passivo, que o libera para o ambiente. Entretanto, com o sistema, esse calor pode ser recuperado e utilizado a partir de uma técnica de destilação de água via membranas, em um processo conhecido como osmose reversa, no qual o vapor d´água atravessa uma camada hidrofóbica, mas deixa retidos os sólidos no outro lado. Em seguida, o vapor volta a se condensar, gerando água destilada que, para consumo, necessita ser remineralizada.
A IPS da mesma forma pode ser utilizada em plataformas de óleo e gás, possibilitando o aproveitamento de calor de difícil recuperação. Segundo a professora do Programa de Engenharia Mecânica, o processo térmico de destilação por membranas, pode usar calor de qualquer fonte térmica, e em plataformas há uma série de oportunidades provenientes da geração termoelétrica e outros processos. “No caso da destilação por membranas, o drive do processo é a diferença de temperatura entre duas correntes. Uma corrente salobra, quente, e outra fria, destilada, e uma membrana separando as duas. E a diferença de temperatura entre as duas, no nível do poro da membrana, possibilita que o vapor d´água da corrente salobra aquecida, atravesse a membrana. Tudo acontece próximo à pressão atmosférica e as temperaturas necessárias são em geral baixas, entre 50 e 90 graus, um calor de baixa energia, em geral mais difícil de ser reutilizado. Mesmo em plataformas que já operam processos de recuperação térmica, em geral o fazem em faixas de temperatura muito mais altas”.
A inauguração do protótipo e sua operação propiciarão inovações nas possibilidades de aplicação. “Em uma região remota que necessite de mais eletricidade, por exemplo, é possível maximizar a capacidade de produção de energia elétrica na conversão da energia solar. Basta para isso otimizar o processo para melhorar as condições operacionais de funcionamento do painel fotovoltaico, por exemplo, reduzindo as temperaturas nas células pelo resfriamento ativo. Também é possível direcionar os parâmetros operacionais da ilha para maximizar a produção de água”, afirma Carolina Naveira-Cotta.
Operação da Ilha de Policogeração Sustentável é demonstrado em detalhes (imagem elaborada pela equipe do projeto) – Foto: Fábio Caffé (SGCOM)
A energia elétrica gerada pode atender até 25 residências e o dessalinizador é capaz de produzir mil litros de água por dia, o equivalente ao consumo diário de mais de 100 pessoas, de acordo com a professora Carolina Cotta. O rejeito de água salgada é destinado a piscinas para cultivo de erva-sal para caprinos e criação de tilápias, em colaboração com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
O projeto é financiado pela Petrogal Brasil via Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Embrapii-Coppe, e conta com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Marinha do Brasil. “A Galp (estatal portuguesa que é a principal controladora da Petrogal) tem fazendas solares que demandam grande quantidade de água para limpeza dos painéis solares, então seria interessante pra ela ter um processo térmico de destilação de água por membranas”, disse Carolina Naveira-Cotta.
Alternativa para abastecimento de água no Semiárido Brasileiro
Além das diversas aplicações no setor industrial, seja em geração fotovoltaica ou na exploração de óleo e gás onshore e nearshore (próximo à costa), o projeto tem um alto estimulo de cunho social. Segundo a professora Carolina Naveira-Cotta, a Ilha de Policogeração Sustentável pode ser implementada de maneira complementar ao sistema já existente no chamado Programa Água Doce (PAD), a princípio lançado pelo governo federal em 1996 como Programa Água Boa e posteriormente relançado como PAD em 2004. Foram identificadas, até então, 3.963 comunidades, em 338 dos municípios mais críticos da região semiárida nacional. “Mas somente cerca de 900 destas comunidades têm o PAD implementado. O sistema capta a água salobra do poço típica do sertão nordestino, dessalinizando-a por osmose reversa, e o rejeito de água salgada vai para piscinas para cultivo de erva-sal para caprinos e criação de tilápia, em colaboração com a Embrapa. Assim, viabiliza-se o uso dessa água salobra disponível nessas regiões”.
O Semiárido se estende por mais de um milhão de quilômetros quadrados, cerca de 12% da área do Brasil, ocupando parte do território dos nove estados do Nordeste, além do norte de Minas Gerais. As comunidades atendidas pelo Programa atendem a critérios de vulnerabilidade socioeconômica e dificuldades de acesso a fontes de água potável. Atualmente, pouco mais de 200 mil pessoas são beneficiadas pelo PAD e a meta é atender até 480 mil pessoas. Recentemente, o governo federal destinou mais R$ 122 milhões para implantação, por meio da segunda fase do Programa Água Doce, de 426 novos dessalinizadores em todos os estados da Região Nordeste e Minas Gerais. Outros 295 sistemas da primeira fase já estão em execução, com recursos assegurados em anos anteriores.
Além de tudo, menciona a professora, o protótipo poderia ser complementar às unidades já instaladas no PAD, pois o processo de osmose reversa é muito sensível a altas salinidades. “Apenas cerca de 40 % da água é dessalinizada nesse processo via osmose reversa, 60% é rejeitado e direcionado para os tanques. Nosso sistema poderia complementar esse processo, na saída da osmose reversa, dessalinizando mais 40%. O drive é térmico, é menos sensível a grandes salinidades. E assim mais de 80% da água seria dessalinizada. Isso também é importante devido à intermitência e sazonalidade da recarga dos aquíferos. A quantidade de água dos poços que pode ser utilizada é limitada, mas podemos aproveitar uma fração maior para consumo humano”, finalizou.
Referência: Sidney Rodrigues Coutinho – Conexão UFRJ, COPPE / UFRJ
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