Com as mudanças climáticas, temperatura das folhas pode chegar a 40 graus, próxima ao ponto de não retorno, com prejuízos para a fotossíntese e a fixação do carbono da atmosfera
Floresta amazônica está exposta a riscos devido ao aquecimento global – Fotomontagem: Jornal da USP – Imagens: Freepik e Carlamoura.amb/Wikimedia Commons/CC 3
Os efeitos e os riscos do aquecimento global nas árvores da Amazônia são expostos num estudo internacional com participação de pesquisadores da USP. As medições feitas pelos cientistas revelaram uma temperatura média de 34 graus Celsius (º C), o que está acima da temperatura ótima, ideal para a produção de energia pelas árvores a partir da luz solar, a fotossíntese. Nas copas das árvores, essa temperatura chegou a 40º C, muito próxima da temperatura crítica, entre 44º C a 50º C, chamada de ponto de não retorno, que pode causar danos irreversíveis e a morte das folhas, prejudicando a produção de energia e a fixação do carbono da atmosfera. As conclusões da pesquisa são apresentadas em artigo publicado na revista Nature.
“A fotossíntese das árvores de florestas tropicais atinge máxima produção entre 24º C e 28º C, o que se chama de temperatura ótima”, explica ao Jornal da USP o professor Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, que integrou o grupo internacional de pesquisadores que realizou o estudo. “Acima desse patamar, o estômato, estrutura da folha que faz as trocas gasosas com o ambiente, começa a fechar, o que reduz a transpiração, o arrefecimento e concorre para aumentar ainda mais sua temperatura.”
Humberto Ribeiro da Rocha – Foto: Lattes
“Quando a temperatura do ar se eleva muito, além do fechamento do estômato, ocorre que a atividade de enzimas fotossintéticas e o transporte de elétrons no interior da folha são inibidos, o que se dá no nível chamado de Temperatura Crítica (Tcrit)”, aponta o professor. Os dois processos são necessários para realizar a captura da luz solar e a transformação em energia química que acontecem na fotossíntese.
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Temperatura em alta
“A avaliação da temperatura foi feita em uma hierarquia de escalas de espaço. Com dados de satélite de alta resolução, avaliou-se o padrão médio da temperatura das copas, uma vez por dia. Com radiômetros de campo, chamados pirgeômetros, o padrão das copas foi apurado temporalmente ao longo do dia, obtendo-se os máximos diários de temperatura”, descreve o professor. Radiômetros são equipamentos usados para medições de radiação, como aquela que é emitida pelo Sol. “Finalmente, folhas individuais foram avaliadas no campo, com termômetros específicos, chamados de termopares.”
“As máximas temperaturas atingiram 34º C, mas descobriu-se que uma porcentagem significativa das folhas da copa atinge limiares muito mais quentes, acima de 40º C, aproximando-se da temperatura crítica, nas condições do clima atual”, destaca Rocha. “Com o uso de modelos matemáticos que estimam a resposta do aquecimento da folha ao aquecimento do ar, que são validados em simulações de laboratório, notamos que as florestas tropicais podem suportar um aumento de aproximadamente 4°C na temperatura do ar, quando então atingem a temperatura crítica da folha.”
Segundo o professor, este aquecimento está exatamente dentro das estimativas do cenário de emissões chamado RCP 8.5, projetado pelo Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC), nos conjuntos de projeções do clima futuro chamados de CMIP5 e CMIP6, que consideram taxas elevadas de emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE) e maiores mudanças nos regimes de chuva e nas temperaturas. “Esta situação enquadraria uma alta recorrência de eventos climáticos em torno da temperatura crítica no futuro, o que colocaria a situação de não retorno”, afirma. “Não se sabe exatamente as consequências desta situação crítica no estado da árvore como um todo, devido às incertezas na plasticidade de reação das árvores e no intervalo de temperatura crítica das árvores tropicais. A reação em escala individual e de ecossistema é certamente mais complexa.”
Proporção de folhas mortas ao longo do tempo em 30 simulações de mudanças climáticas (uma cor para cada simulação no gráfico), exemplificando o modelo que mostra o efeito da Temperatura Crítica (Tcrit) à medida que as temperaturas aumentam com o passar dos anos nas copas das árvores – Imagem: Extraída do Artigo Tropical forests are approaching critical temperature thresholds.
Texto: Júlio Bernardes
Arte: Carolina Borin*
Fonte: Jornal da USP