Promovido há 33 anos consecutivos pela AESabesp – Associação dos Engenheiros da Sabesp, o Encontro Técnico da AESabesp – Congresso Nacional de Saneamento e Meio Ambiente é considerado o maior evento do setor na América Latina. O tema desta edição é Saneamento: prioridade para a vida.
Rodrigo Alves, Encarregado de Operação do Sistema São Miguel da Diretoria Metropolitana da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP, apresentou no dia 14 de setembro em São Paulo: “Reaproveitamento do lodo produzido em ETEs para reciclá-lo e transformá-lo em adubo”.
Rodrigo Alves na apresentação do “Reaproveitamento do lodo produzido em Etes para reciclá-lo e transformá-lo em adubo”, no Encontro Técnico AESabesp/Fenasan – Foto: Gheorge Iwaki
De acordo com o trabalho técnico e apresentação do palestrante, o esgoto, efluente ou águas servidas são os resíduos líquidos domésticos e indústrias que necessitam de tratamento adequado para que sejam removidas as impurezas através de processos físicos, químicos ou biológicos. Após esses processos, o efluente pode ser devolvido aos mananciais, com bom grau de pureza, em conformidade com os padrões exigidos pela legislação ambiental, sem causar danos ambientais e à saúde humana (CAESB, 2020). O tratamento é realizado nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), que operam com diferentes sistemas tecnológicos, e consequentemente ocorre a geração de um resíduo semissólido, pastoso e de natureza predominantemente orgânica, chamado de lodo de esgoto. Além do mais, esse resíduo possui uma composição muito variável, pois depende da origem do esgoto, do processo de tratamento e do seu caráter sazonal (EMBRAPA, 2018). Além de toda a problemática econômica para as empresas de saneamento, tem-se outro fator muito relevante, uma vez que quando o resíduo orgânico não tratado é encaminhado para os aterros sanitários, tem-se a diminuição da vida útil destes, além da geração do gás metano, nocivo à atmosfera. Neste trabalho veremos a cooperação técnica entre companhias com o objetivo de verificar o reaproveitamento do lodo produzido em ETEs.
As práticas de minimização da produção de rejeitos têm sido estimuladas, priorizando a reciclagem como opção de destino final. Por esta razão, o uso do lodo de esgoto na agricultura vem se tornando uma alternativa de grande interesse, uma vez que fornece matéria orgânica e nutrientes ao solo. Entretanto, os lodos de ETEs correspondem a uma fonte potencial de riscos à saúde pública e ao ambiente, já que permitem e potencializam a proliferação de vetores de doenças e organismos nocivos. Dessa forma, é necessário realizar o processo de higienização do lodo e a devida análise, para que este possa ser utilizado na agricultura.
O processo de compostagem viabiliza o uso do lodo de esgoto na agricultura, visto que permite eliminar e/ou diminuir os patógenos, alterar o pH e as grandezas químicas e físicas (RIBEIRO, 2018).
A compostagem, em comparação com outras metodologias de tratamento, é um processo barato, o qual resulta em um composto quimicamente estável, uniforme, inodoro com teores elevados de matéria orgânica e de nutrientes necessários para fins agrícolas (CORRÊA, 2001). Entretanto, é um processo que varia de 60 a 120 dias, já que é totalmente dependente da proporção entre matéria seca e lodo, umidade, temperatura e o tipo do lodo de esgoto. Por essas razões tem-se a grande necessidade para a utilização do reator de compostagem, com a finalidade de manter constância em todas as variáveis e consequentemente, diminuir o tempo do processo de compostagem.
Baseado na economia circular esse trabalho demonstra um estudo de caso realizado em uma ETE adotando um equipamento acelerado de compostagem.
Objetivos
Segundo o especialista da Sabesp, foram definidos 6 objetivos para serem fundamentadas após os testes com o equipamento que realiza a compostagem acelerada na ETE, definidos abaixo:
- Verificar a redução do volume/peso do composto orgânico após a realização da compostagem
- Confirmar qual proporção da mistura entre a matéria seca e o lodo de esgoto é a mais adequada;
- Realizar análises químicas, físicas e biológicas do composto orgânico produzido em um laboratório certificado;
- Avaliar a relação entre a concentração de coliformes termotolerantes e metais pesados após o processo de compostagem;
- Produzir, regulamentar e classificar o composto orgânico conforme os parâmetros do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA); e
- Utilização do material comercialmente no plantio de árvores não-frutíferas, recuperação de área degradada e outras utilizações.
O projeto de cooperação entre empresas consiste em realizar o estudo de viabilidade comercial e de disposição do lodo de esgoto. Na figura 1, é demonstrado um resumo do processo de compostagem.
Figura 1 – Fluxograma de entradas e saídas do processo de compostagem. Fonte: (PROSAB,1996) / Reaproveitamento do lodo produzido em ETEs para reciclá-lo e transformá-lo em adubo / Encontro Técnico AESabesp
METODOLOGIA UTILIZADA
Foram realizados dois ensaios, assim, o primeiro ensaio foi feito com a utilização dos materiais e processos básicos (lodo de esgoto, serragem e bicarbonato), enquanto que no segundo ensaio ocorreu uma revisão e aprimoramento a partir da inserção de material específico para ampliação da biota e material para remediação de metais pesados através de adsorção para uma possível melhora da qualidade do composto finalizado. Isto posto, os ensaios podem ser divididos em etapas de preparação:
- Instalação do equipamento;
2- Inserção do Lodo de esgoto;
3- Adição de uma proporção de biomassa;
4- Adição de uma porção de material para remediação dos metais pesados;
5- Fechamento da tampa;
6- O sistema executa, através de programação durante 24/7, a aeração, a movimentação para a homogeneização e o aquecimento do composto;
7- Seis dias de inserção consecutivas;
8- Sétimo dia não haverá inserção de material, para a elaboração final do processo;
9- No início do próximo processo, haverá a abertura da válvula de saída localizada na parte inferior e o acionamento da movimentação de massa para retirada do volume em caixa adequada;
10- Não haverá necessidade de limpeza interna do corpo de trabalho, visto que a utilização da fração restante do processo de descarregar sendo esta fração utilizada para o desenvolvimento de nova cultura de microrganismos em um novo processo.
Os testes foram efetuados na própria ETE, em dezembro de 2.021. A tabela 1 abaixo é demonstrado o passo-a passo das atividades discriminadas acima.
Tabela 1 – Atividades realizadas no teste
Fonte: Rodrigo Alves / Encontro Técnico AESabesp
Além da utilização da matéria seca para o processo de compostagem tem-se a necessidade da adição de alguns componentes como é o caso do bicarbonato com a finalidade de regularizar o pH, do açúcar que é um nutriente para fungos e bactérias e auxilia no desenvolvimento da biota presente no composto, da bentonita e da zeolita, as quais auxiliam na remediação dos metais pesados. Para a realização do processo de compostagem tem-se os seguintes valores de referência: para cada 50 kg/dia do lodo de esgoto, é necessário adicionar proporcionalmente 20% (em média 10 kg) de serragem e 0,33 kg de bicarbonato.
O equipamento foi instalado ao lado da região de deposição da torta de lodo de esgoto na ETE, conforme fotografia 2, abaixo:
Fotografia 2 – Localização do equipamento na ETE – Foto: Rodrigo Alves / Encontro Técnico AESabesp
Na fotografia 3, é observado o lodo desaguado da ETE (torta) que é a fonte do processo de compostagem. Assim, de acordo com o resultado da análise do lodo de esgoto antes do processo de compostagem já possuía umidade de 74,3%.
Fotografia 03 – Torta do processo de desaguamento do lodo – Foto: Rodrigo Alves / Encontro Técnico AESabesp
Desta forma, foi executado o teste 01 com a utilização da massa de lodo de esgoto compatível com os cálculos da redução de volume do composto orgânico para avaliação de processo de compostagem com a adição de biomassa e o controle de pH. Na Tabela 2 são apresentados os pesos diários dos itens inseridos no dispositivo. Logo, são apresentados os dados da inserção dos 5 dias consecutivos.
Tabela 2 – Pesagem dos componentes adicionados no equipamento para o teste 01
Fonte: Rodrigo Alves / Encontro Técnico AESabesp
Na Tabela 3 é apresentado os dados de pesagem do teste 02.
Tabela 3 – Pesagem dos componentes adicionados no equipamento para o teste 02
Fonte: Rodrigo Alves / Encontro Técnico AESabesp
O segundo teste foi finalizado a partir do dia 06/02/2022 e assim foram adicionados ao composto orgânico produzido até o dia 16/12/2021 os seguintes componentes: bentonita e zeolitas ZZ e ZN na proporção 1:2:2.
Após a finalização do teste foi possível notar uma diferença de coloração do material processado, presença de odor, umidade relativa, uma massa mais solta, mas ainda apresentado viscosidade e a necessidade das análises para uma maior avaliação e comparação com o primeiro teste.
RESULTADOS OBTIDOS
Após a retirada do equipamento o composto mudou de coloração e textura, além de que apresentou redução de 11% em relação a inserção da torta de lodo, a qual já estava compactada. Foi possível calcular a redução a partir da soma do peso dos itens adicionados (lodo, matéria seca, bicarbonato, etc.) em comparação com o peso do composto final produzido no equipamento.
Deve-se analisar que a massa do resíduo orgânico é composta em média de 60 a 70% de umidade. Logo, mesmo com o processamento para a redução de volume, a partir da utilização de um triturador industrial, ainda haveria a quantidade de água no material.
Assim, assume-se que o mesmo acontecia com o lodo de esgoto. Com base na figura 4, após o material final ficar disposto para maturação ocorreu o surgimento de fungos, o que favorece na melhora da estrutura do solo, textura e aeração além do sequestro de Pb (chumbo).
Figura 4 – Adubo orgânico produzido após o processo de compostagem lodo – Foto: Rodrigo Alves / Encontro Técnico AESabesp
No processo natural de compostagem ocorre o aumento de temperatura que causa a transformação da água líquida contida no composto em vapor, o material é aerado constantemente e com a saída do ar do corpo da máquina há uma diferença de temperatura em que ocorre a condensação das moléculas de H2O e assim tem-se a destinação de água do equipamento para um reservatório, o ar continua o caminho através de um filtro de carvão ativado eliminando qualquer odor.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Foram enviadas amostras para um laboratório externo (acreditado), com a finalidade de analisar a composição física, química e biológica do adubo orgânico formado após o processo de compostagem, em conformidade com as legislações existentes. Vale ressaltar que todos os resultados obtidos foram para o teste 01.
Tabela 4 – Comparação dos resultados químicos obtidos com a IN 61/2020
(MAPA)
Fonte: Rodrigo Alves / Encontro Técnico AESabesp
Além do mais, foi averiguado que a amostra enviada para o laboratório possui < 1 ovo viável de helminto por g/ST, logo os parâmetros de controle operacional do processo de tratamento podem ser utilizados como indicadores da produção de biossólido classe A, conforme descrito na resolução n° 498/2020 (CONAMA).
Na Tabela 5 é apresentada a comparação da quantidade de metais pesados que estão presentes na torta de lodo e após o processo de compostagem. Além do mais, esses resultados são comparados a Resolução n° 498/2020 (CONAMA).
Tabela 5 – Comparação dos resultados Químicos obtidos com a Resolução nº 498/2020 (CONAMA)
Atualmente, a maior empresa de comércio e produção de compostagem do lodo de esgoto junto a resíduos sólidos orgânicos industriais e agroindustriais fica localizada na cidade de Jundiaí (SP). Consequentemente, a empresa disponibiliza os dados químicos e físicos do adubo orgânico produzido e comercializado. A partir da Tabela 6 é possível visualizar os dados da empresa de 2019 a 2020 em comparação com o adubo orgânico produzido no teste 01.
Tabela 6 – Comparação dos resultados disponíveis da empresa da cidade de Jundiaí e o teste 01
Fonte: Rodrigo Alves / Encontro Técnico AESabesp
CONCLUSÕES / RECOMENDAÇÕES
Com base nos exames laboratoriais apresentados para o teste 01, foi verificado que a matéria orgânica (MO) do lodo de esgoto sofreu a ação dos microrganismos termofílicos promovendo assim a compostagem, uma vez que os parâmetros de umidade, pH, quantidade de patógenos (<1 g/ST), porcentagem de carbono e nitrogênio, comprovam tal fato. Entretanto, esse teste não considerou a remediação dos metais pesados, mas resultou em um material sem odor peculiar e com a secagem tornou-se uma massa rígida e em torrões.
Além do mais, o adubo produzido com base no ensaio patogênico e no ensaio de insumos (Tabela 4 e Tabela 5), conforme as normativas n° 61/2020 (MAPA) e 498°/2020 (CONAMA), necessita de algumas complementações, como a adição de potássio e magnésio para ser aprovado. Entretanto, esses itens podem ser remediados com a adição de outros componentes durante o processo de compostagem.
Portanto, foi averiguado que o equipamento consegue realizar a compostagem do lodo de esgoto com a adição de matéria seca (serragem) e aditivos reguladores de pH (bicarbonato) de forma adequada. Logo, posteriormente com algumas correções esse composto pode ser destinado/comercializado para agricultura. A partir dos resultados recebidos do lodo de esgoto produzido na ETE é possível determinar que o composto orgânico produzido a partir desse lodo será classificado como Classe A, visto que essa distinção ocorre pela quantidade de Coliformes Termotolerantes e a quantidade desses patógenos estão inferiores da referência apresentada na Resolução nº498/2020 (CONAMA).
Antes do processo de compostagem a torta possuía 74,3% de umidade e depois o composto passou a ter 48,35%. Logo obteve-se uma redução de 25,95% da umidade e 10% no volume. Para o teste de patógenos apenas foi avaliada a quantidade de ovos de helmintos. Porém, de acordo com o resultado da torta de esgoto verifica-se a ausência de coliformes termotolerantes (2,4.10-4), Salmonella sp e ovos viáveis de helmintos (<0,25). Conforme a resolução n° 498/2020 o composto pode ser classificado como classe A e classe I. Já para aprovação do composto para aplicação na agricultura conforme a IN n° 61/2020 ainda devem ser adicionados alguns elementos químicos.
Referência: Rodrigo Alves, José Francisco de Albuquerque Filho e Encontro Técnico AESabesp
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